O Cruzeiro Esporte Clube era um dos times mais endividados do país, com o total da dívida girando em torno de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais). Foi nesse cenário que o Cruzeiro separou seu departamento de futebol do restante do clube e criou o Cruzeiro Esporte Clube Sociedade Anônima do Futebol – Cruzeiro SAF. 

O Cruzeiro SAF foi adquirido por Ronaldo Fenômeno em dezembro de 2021. A compra da SAF por um dos maiores nomes do futebol mundial, que também é um empresário de sucesso, agitou o futebol brasileiro e deu à torcida do Cruzeiro esperanças de um futuro melhor.  

No entanto, devido ao curto período de vigência da Lei da SAF e à falta de entendimento consolidado pelos tribunais brasileiros sobre a responsabilidade pelo pagamento das dívidas, alguns casos ficaram marcados pelo “empurra-empurra” entre as partes. Um exemplo é o caso do meio-campista Rodriguinho, negociado com o Pyramids FC, do Egito. 

Rodriguinho tornou-se jogador do Cruzeiro em 2019. O negócio envolveu o pagamento, à época, de aproximadamente R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais) ao Pyramids FC.  

Em 2019, o Cruzeiro ainda não havia optado pela formação de uma SAF, e o negócio foi realizado pela Cruzeiro Esporte Clube, que na época era uma associação sem fins lucrativos. 

O Pyramids não recebeu o valor combinado e, em razão disso,  acionou a FIFA em abril de 2020 para receber o valor devido. A decisão  que determinou o pagamento também foi descumprida, e o Pyramids FC informou o novo inadimplemento em janeiro de 2021. Ou seja, todo esse imbróglio se deu antes da criação do Cruzeiro SAF. 

Contudo, quando a FIFA anunciou que o não pagamento poderia resultar na impossibilidade de registrar o contrato de novos jogadoress, o chamado transfer ban, o futebol do Cruzeiro já estava sob a gestão da SAF, uma entidade jurídica completamente diferente da que estava envolvida no negócio com o Pyramids FC, e que alegava não ter qualquer responsabilidade em relação ao débito. 

O Cruzeiro SAF também alegava que, apesar de não ter vínculo com a negociação de Rodriguinho, estava disponibilizando, como parte do plano de Recuperação Judicial do Cruzeiro Esporte Clube, uma significativa quantia destinada ao pagamento das dívidas da associação. 

No entanto, a Lei da SAF (Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021) em seu artigo 2º, §1º, I, prevê que o a SAF responde obrigatoriamente, no lugar da Associação, pelas dívidas contraídas com atletas profissionais. Conforme noticiado pela imprensa, o contrato de compra da SAF também previa que a obrigação de pagamento seria da empresa de Ronaldo. 

Apesar do posicionamento oficial do Cruzeiro SAF de que não era responsável pela dívida, a FIFA alertou que, caso o pagamento não fosse efetuado, poderia ser determinada a impossibilidade de registro de novos jogadores, o popular transfer ban. 

Do ponto de vista jurídico, o cenário era extremamente complexo. Enquanto o Cruzeiro estava em recuperação judicial, a FIFA, com sua estrutura jurídica própria, impedia que os clubes de futebol acessem a justiça comum para tratar de dívidas de compra de jogadores. Dessa forma, em tese, o crédito do Pyramids não poderia ser incluído no processo, e o Cruzeiro SAF estava, legal e contratualmente, obrigado a quitar a dívida. 

O Cruzeiro SAF, se valendo da máxima de que mais vale um mau acordo do que uma boa briga, optou por resolver o conflito extrajudicialmente, renegociando os termos de pagamento com o Pyramids FC, utilizando estratégias como a extensão dos prazos, descontos no valor devido e um plano de parcelamento. 

Embora haja expressa previsão legal sobre a possibilidade de times de futebol, SAF ou Associação, se valerem da recuperação judicial, a lei não aborda a impossibilidade de acesso à justiça comum imposta pela FIFA, nem como esses créditos serão tratados na Recuperação Judicial. 

Nesse cenário confuso e de pouca segurança jurídica, os métodos adequados de solução de conflito, como a negociação utilizada pelo Cruzeiro SAF, surgem como a melhor opção, permitindo que o credor receba o que lhe é devido e que o devedor possa pagar em condições razoáveis, sem estar sujeito a sanções da FIFA. 

Para mais esclarecimentos, toda a equipe do NMBM – Nankran Mourão Brito Massoli está à disposição.

João Pedro e Augusto Morais.