Por Pedro Franco Mourão*
A pandemia do Coronavírus vem gerando e poderá gerar diversos impactos nas operações de Fusões e Aquisições (Mergers and Acquisitions – M&A), principalmente pelo desequilíbrio econômico-financeiro que a crise pode gerar nos contratos que já foram celebrados e estão no período entre o signing (data da celebração) e o closing (data do fechamento).
Não é mistério de que os efeitos do Coronavírus já podem ser sentidos na economia, pois a cada dia que passa há uma redução significativa no consumo e interrupção em cadeias de fornecimento, afetando, como se sabe, as projeções de crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro.
Dessa forma, sem dúvida alguma, é primordial que as partes envolvidas na operação revisitem os termos do Contrato celebrado, com o intuito de evitar futuros conflitos, prever algumas situações e antecipar os impactos que serão gerados com a crise. Sobre os contratos que serão celebrados, é de extrema relevância uma redação minuciosa das cláusulas, prevendo, inclusive, os impactos que a disseminação do vírus poderá gerar com a operação de M&A.
Destaque-se, dessa forma, alguns dos impactos jurídicos que podem ocorrer nas operações de M&A:
- É bastante comum, nos contratos envolvendo operações de M&A, conter cláusulas extinguindo ou modificando obrigações das partes contratantes, cujas denominações normalmente são: material adverse chance clause (MAC clause) ou material adverse effect clause (MEC clause). As cláusulas MAC-MEC, basicamente, consistem na previsão de que o investidor/comprador pode desistir do fechamento da operação, ajustar o preço ou até mesmo pedir indenização, se a sociedade a ser investida/comprada sofrer significativa variação negativa nos seus ativos, condições, operações, resultados ou expectativas, oriundos de determinados eventos ou ocorrências. Portanto, o objetivo das cláusulas mencionadas é proteger o investidor/comprador contra a excessiva deterioração das condições negociais da empresa a ser investida/comprada no período entre o signing (data da celebração) e o closing (data do fechamento). Como se percebe, a razão de ser baseia-se no pressuposto de que a determinação do preço e o consentimento para a realização do negócio foram obtidos com base em premissas econômico-financeiras que, se modificadas substancialmente, poderiam afetar a intenção das partes de realizar o negócio ou diminuir-lhe o preço. Dessa forma, o intuito de revisitar o teor dessas cláusulas seria tentar evitar o cancelamento da operação por parte da sociedade investidora/compradora, mediante alguns ajustes pelas partes; ou, até mesmo, para que ambas as partes tenham uma previsão dos impactos que poderão ocorrer. Caso haja a celebração de algum contrato de M&A no decorrer da disseminação do vírus, sugere-se a redação de cláusula bem detalhada e prevendo os impactos que o Coronavírus poderá gerar com a operação. Vale lembrar, ademais, a existência de uma discussão enorme na doutrina e jurisprudência a respeito da aplicabilidade das cláusulas MAC-MEC quando não possui uma previsão específica.
- É bastante comum, nos contratos envolvendo operações de M&A, conter cláusula de declarações e garantias pela empresa investida/vendedora. Diante do cenário de crise, pode ocorrer de as declarações e garantias prestadas não subsistirem na data do fechamento, o que acarreta também na importância de uma revisitação do Contrato ou até mesmo a elaboração com maior cautela da referida cláusula para os contratos a serem celebrados;
- Nas operações envolvendo companhias abertas, é de se atentar sobre a necessidade de divulgação de fato relevante, nos termos exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em caso de eventuais impactos decorrentes do COVID-19. Isso porque, a publicação do fato relevante, a depender do caso, pode afetar na decisão de investidores comprarem ou venderem valores mobiliários de emissão de companhia aberta;
- O procedimento de Due Diligence para as empresas investidoras/compradoras deverá ocorrer com uma cautela muito maior, pois em cenário de crise, ter o conhecimento pleno e completo da situação financeira, contábil, fiscal e jurídica não é tarefa simples. Além disso, torna-se extremamente necessário verificar quais os efeitos que a disseminação do vírus poderá acarretar na empresa alvo (vendedora/investida), principalmente se afetará a receita e os valores dos ativos envolvidos na operação;
Especificamente sobre o processo de Due Diligence, como se sabe, é o processo de diligência para conhecer a real situação da empresa que será adquirida ou investida, principalmente com o objetivo de minorar, o máximo possível, os riscos decorrentes com a operação e também ter informações corretas sobre o negócio, com o intuito de se chegar em um valor justo e condições adequadas. Esse processo engloba o conhecimento e análise, por parte do investidor/comprador, e a declaração, por parte do investido/vendedor, das questões atinentes às áreas financeira, contábil, fiscal e jurídica.
Certamente, com a pandemia do COVID-19, nesse cenário de incertezas e oscilações – principalmente econômicas – ter o conhecimento mais próximo da perfeição, torna-se tarefa bastante complicada.
Considerando que a crise acarreta, muitas das vezes diariamente, na variação dos preços do câmbio entre moedas e até mesmo variação no preço dos ativos envolvidos com a operação, as empresas deverão ter maior cautela e cuidado nos processos de diligência e também na redação das declarações e garantias prestadas. Dessa forma, por óbvio, o comprador deve exigir e incluir todas as possibilidades nas declarações e garantias para se resguardar no momento do fechamento da operação (closing) e, por outro lado, o Vendedor deve ter bastante cautela ao prestar declarações e garantias que podem não subsistir com a crise.
Inclusive, são diversas as situações que podem ocorrer nesse período, como, por exemplo: a empresa investida/vendedora possui um grande cliente, mas há o risco, pela crise, do contrato com referido cliente ser encerrado; é preciso verificar se há algum fornecedor importante que poderá deixar de prestar os serviços ou fornecer os produtos em razão de algum acontecimento gerado pela COVID-19.
Dessa forma, é de extrema relevância que as partes revisitem o contrato já celebrado, os eventos e condições da operação de M&A, de forma a mitigar os efeitos da disseminação da COVID-19. Para os contratos a serem celebrados, a atenção redobrada na elaboração das cláusulas é medida necessária. Sugere-se, inclusive, para as operações, a criação de um comitê de crise para conduzir as tratativas.
*Pedro Franco Mourão é advogado especialista nas áreas contenciosa cível e consultoria societária/empresarial e sócio do escritório Nankran & Mourão Advogados Associados.